sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Maré da Vida

Em meio à correria da cidade grande, é sempre difícil ter tempo para alguma coisa, para alguém ou, até mesmo, para si mesmo. Passamos entre milhares de pessoas todos os dias e nunca as vemos realmente. Para isso, às vezes, é necessário que coisas ruins aconteçam, assim como aconteceu com os nossos personagens em questão.
            A vida de Annalene andava complicada, os problemas pareciam grudados em sua mente, talvez por isso não prestasse atenção no que se passava na rua, enquanto andava apressada entre vielas e calçadas. Até que, ao atravessar o sinal, não percebeu que o mesmo ainda não fechara, e começou a andar na faixa de pedestres, quando escutou uma buzina muito alta em sua direção e, em seguida, ao virar o rosto, viu um carro a centímetros de si. Quando se deu por conta, estava no asfalto, um pouco tonta. O carro não havia lhe atingido, mas o susto a fez cair, fazendo as pessoas se acumularem em sua volta, algumas preocupadas, já outras, curiosas. O carro que quase a atropelá-la estava parado e um homem saiu o veículo: trajava roupa social, parecendo bem elegante com os óculos escuros de marca.
- Você está bem? – Perguntou abaixando-se ao lado da moça e a analisando, ainda sem tirar os óculos. Annalene acenou afirmativamente para o homem, mas ele não pareceu lhe dar muita atenção.
- Venha comigo, vou te levar ao médico. – Falou sem expressão na voz, levantando-se e estendendo a mão para ela, que a segurou, hesitante.
- Eu estou bem, mesmo... – Sua voz saiu fininha, parecendo combinar com a face extremamente rosada que era coberta por cabelos negros e lisos. Mas não parecia ter muita opção, já que seu quase atropelador agora estava ao lado do carro, segurando a porta do carona aberta. O que ela podia fazer? Apenas entrou no luxuoso carro e pôs o cinto, em seguida, ele fez o mesmo.
            Os primeiros minutos da viagem seguiram silenciosos, até que o moço de óculos os tirou, deixando a vista olhos claros e brilhantes. Annalene o observou por alguns segundos, concluindo que ele devia ter, no máximo, 25 anos.
- Não devia atravessar a rua daquela maneira. – Falou o rapaz, tirando-a de seus pensamentos. - Podia ter se machucado sério.
- Eu sei, estava distraída com algumas coisas... Me desculpe. – Falou baixinho, abaixando o olhar para os joelhos. – Mas eu estou bem, de verdade. Não preciso de médico.
- Mesmo? – Perguntou o rapaz fitando-a pelo conto de olho. Annalene acenou novamente com a cabeça. – Então vamos para outro lugar, se importa? – Ela levantou os olhos para o rapaz, mas o carro já estava em alta velocidade. “Meu Deus, será que ele fará algo comigo?” Pensou, nervosa.
            O carro negro de vidros fumê parou na frente de um pequeno restaurante italiano e eles entraram, primeiro o rapaz pediu os pratos e das bebidas (refrigerante, claro.), em seguida começaram a conversar. Rodolfo era o nome do rapaz, ele estudava direito na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, morava na Tijuca e estava estagiando em uma firma. Annalene também falou um pouco de si: morava na comunidade Esperança, um tanto carente e perigosa, trabalhava no telemarketing em uma empresa durante o dia e, à noite, fazia faculdade de Administração na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a Unirio. Era uma menina trabalhadora e humilde, que sempre achou que todos os ricos eram esnobes, mas estava mudando sua opinião enquanto conversava com o futuro advogado.
            Ficaram horas conversando, por pouco ela não perdeu a hora da faculdade. Rodolfo chegou a sugerir que faltasse, mas aquilo era inviável, principalmente por estar se esforçando tanto depois de vir de uma escola pública cheia de falhas.
            O tempo começou a passar e Annalene e Rodolfo quase sempre se falavam pelo telefone ou se encontravam após as aulas da moça, embora ela não pudesse chegar muito tarde em casa, por conta do perigo da região.
            Passado dois meses, a comunidade onde Annalene morava estava sendo considerada uma das mais perigosas e quase sempre havia tiroteio. E ela, que morava com o irmão, ao perguntá-lo sobre o que acontecia, falava que não sabia de nada, mas mal podia imaginar a sonhadora jovem que seu irmão era quem comandava todo o tráfico de armas e drogas daquela região e aquele era o motivo de tanto tiroteio. Porém, ela não parecia se importar, estava quase namorando com Rodolfo e isso a mantinha com os pensamentos ocupados, além da faculdade e do trabalho.
            Até que um dia tudo mudou. Estava esperando, como todos os dias, o namorado há algumas esquinas da faculdade, quando o carro do mesmo chegou, em alta velocidade, freando forte. Ele abriu a porta do carona de dentro do carro, não saiu como sempre, aquilo estava estanho. Annalene entrou e o fitou, mas o mesmo saiu com o carro, novamente em alta velocidade.
- O que está acontecendo? – Perguntou tentando manter a calma. Rodolfo estava de social, como sempre, as roupas pareciam amassados e seu rosto se contorcia em um misto de dor e desespero. – Rô, por favor, me fale... – Assim que a jovem pronunciou essas palavras, lágrimas caíram pelo rosto do motorista, deixando-a em desespero.
- Anna, me desculpe. Me perdoe. Eu não queria, mas eu tenho que fazer isso... – Ele parecia perdido, desesperado. Seus olhos se encontravam com os dela, o contraste era engraçado, bonito, e eles costumavam brincar com aquilo. Annalene, morena de olhos escuros, e Rodolfo, alvo com os olhos claros. Olhos claros que demonstravam imensa tristeza.
- Fazer o que? Eu não estou entendendo! Pare o carro, Rodolfo. Pare o carro agora! – Agora era ela que estava perdida e chorava, deixando as lágrimas borrassem a maquiagem leve que fizera com tanto carinho.
- Me desculpe, eu te amo, mas não posso... – Ele a fitou por alguns instantes, sua face estava molhada de lágrimas e seus olhos transmitiam o fundo de seu coração.
- Rodo... – Quando ela tentou falar mais uma vez, uma mão lhe agarrou por trás, tapando com um pano sua boca. Aquele cheiro a lembrou as aulas de Química na antiga escola: era éter. Em questão de segundos perdeu a consciência.
            Quando acordou sentia dores no corpo e, principalmente, na cabeça. Estava no chão de cimento, só podia constatar isso, já que ainda não criara coragem de abrir os olhos. Escutava vozes distantes, que foram se aproximando devagar.
- E o que a gente faz agora, chefia? – Perguntou uma voz que tom malandro.
- Se o Drácula não ceder, a gente faz igual presunto, fatia. – Respondeu o provável ‘chefia’, fazendo o coração de Annalene quase saltar do peito. Ela havia sido seqüestrada... Mas por quê? Não tinha dinheiro nem nada! Mas algo pior lhe veio em mente: Por que Rodolfo havia feito aquilo? Por quê? Onde ele estava para ajudá-la? Um pano com cheiro de éter tapava-lhe a boca, deixando-a tonta. Aquilo a fez perder os sentidos novamente.
            Quando abriu os olhos, chegou a pensar que estava em um navio: estava tonta e tudo balança em sua frente. Piscou forte e conseguiu focar o ambiente ao seu redor, apenas via pés. Um com tênis Nike, outro de Havaianas e o último de sapato social. Fez algum esforço e mexeu a cabeça, conseguindo olhar para cima, vendo quem estava ali, descobrindo que o dono dos sapatos sociais era Rodolfo. Tentou gritar, mas apenas grunhidos saíram de seus lábios comprimidos pelo pano, porém foi o suficiente para chamar atenção dos ali presentes.
- Se tu ficar quietinha eu tiro essa parada da tua boca. Mas se tu gritar, vai levar bala. – Falou o ‘chefia’ mostrando a arma que tinha em mãos.
- Não faz nada com ela, chefia! – Exclamo Rodolfo exasperado, fazendo o homem apontar a arma para o mesmo.
- Fica quieto que tu ficou se engraçando com a irmã do Mister D.! Se acontecer alguma coisa errada, até sua mãe vai parar no meu ensopado amanhã. – Gritou, ameaçando o rapaz, fazendo o mesmo apenas abaixar a cabeça e concordar. – Eu vou sair, quando voltar, se o D. não falar nada, a mocinha perde a orelhinha. – E dizendo isso, deu as costas e saiu, levando o comparsa atrás, deixando apenas Annalene e Rodolfo naquele barraco, que tinha uma mesa com duas cadeiras velhas e um armário na pequena sala.
            O rapaz se abaixou, tirando a mordaça dela e desamarrando suas mãos, recebendo um belo tapa na cara da moça.
- Por que você fez aquilo? Seu mentiroso! Filho da mãe! – Queria poder gritar, mas virar presunto não fazia muito seu gosto. O que fazia era exclamar, enquanto chorava. Ele se sentou no chão, em frente à ela, sem reclamar o tapa e começou a contar a história: Ele era, na verdade, um menino simples, que cresceu naquela comunidade. Estudou até o primeiro ano da faculdade, quando a mãe ficou doente e ele teve que ficar em casa cuidando dela. Esquizofrenia era uma doença horrível, principalmente os estados mais avançados. No início fora possível pagar remédios, mas o dinheiro ficou apertado e a sua saída foi arrumar emprego de entregador para o ‘chefia’, assim passava mais tempo em casa. Mas o ‘chefia’ queria todo o comércio de armas, coisa que Mister D. tinha, ou Denílson, irmão de Annalene. Como os conflitos armados não davam em nada, ‘chefia’, ou Natan, mandou seqüestrá-la, mas como Rodolfo não conseguira no início, agora Natan ameaçava sua mãe, a coisa mais especial que tinha.
- Eu achava que não tinha saída, minha vida seria assim pra sempre, mas você me fez ver diferente... Me perdoe, Anna, mas tive medo pela minha mãe, ela já sofreu tanto. – As palavras sumiram, deixando um vazio no local. Annalene o abraçou, amava aquele rapaz mais que tudo e não queria se separar dele. Rodolfo correspondeu ao abraço e ficaram assim por minutos, até que ele a soltou.
- Você não merece isso, vai embora, fuja pra bem longe daqui... Chame a polícia, embora eu duvide que isso resolva algo.
- Como assim? Mas e sua mãe? E o ensopado amanhã? – Ela o olhava desesperada e perdida. Rodolfo passou as mãos no rosto dela, enxugando as lágrimas, beijou-a intensamente e se levantou em seguida, indo até o armário e pegando um casaco com cheiro de mofo, em uma cor que deveria ter sido marrom há muito tempo atrás.
- Minha vida já está perdida e minha mãe já está velha, aproveita a sua. – Jogou o casaco para ela, enquanto reunia suas forças pára falar aquilo. – Eu vou tentar fugir, mas vá na frente.
            Ela segurou o casaco e o vestiu, ignorando o cheiro ruim. Foi até o namorado e o abraçou rapidamente.
- Eu te amo, Rodolfo, nunca se esqueça de mim.
- Eu também te amo e jamais vou esquecer de ti...  - Assim que ele terminou de pronunciar aquelas palavras, foi até a porta junto com a jovem e, após ver que não havia ninguém ali, deixou-a ir.
            Annalene correu o máximo que pode, apesar da grande fadiga que sentia. Não sabia onde sua bolsa estava, mas a sua sorte é que tinha uma nota de cinco reais no bolso e a usou para pegar o primeiro ônibus que passou. Chorou por toda a viagem, até chegar a uma delegacia e contar tudo aos policiais, depois de muitas horas, eles resolveram ir até e ela fez questão de acompanhá-los.
            Ao chegar no local já amanhecia, poucas pessoas eram vistas, apenas alguns trabalhadores, que se distanciavam ao ver os dois carrinhos da polícia. Annalene ficou no carro enquanto eles entravam no seu antigo cativeiro e voltavam segundos depois, falando com o capitão que só havia ‘mais um’ jogado no chão. Ela não pensou duas vezes, saiu do carro e correu até o local, não podendo acreditar no que via: jogado no chão da pequena sala, estava Rodolfo, a camisa social azul estava manchada de sangue, assim como sua face e o chão em volta do mesmo. Ela se aproximou, ajoelhando-se ao lado dele, puxando o corpo sem vida e aninhando-o em seus braços. Pousou a cabeça dele em seus seios, sentindo o sangue atravessar o casaco. As lágrimas caíam de seu rosto, em um pranto de dor e desespero, molhando o rosto do rapaz, como uma maré em meio ao mar vermelho da morte.
            Os policiais apenas observavam a cena, enquanto rondavam pelo local, até que um chamou o chefe e lhe mostrou um papel que estava caído próximo ao corpo: era um bilhete e nele falava que Annalene e seu irmão seriam os próximos.
            Os anos se passaram e a jovem, que fugira para a Bahia depois do incidente, ainda não se esquecera do acontecido. Na verdade jamais iria esquecer. Estava de volta ao Rio de Janeiro, descobrira que seu irmão havia sido assassinado, assim como a mãe de Rodolfo. Ela não deixaria aquilo impune, não iria deixar a morte, o medo e a opressão vencerem. Estava no Aeroporto Santos Dumont e um policial vinha ao seu encontro, com uma expressão de respeito.
- Oficial Silva, é um prazer tê-la nos quartéis do Rio. – Falou com a voz grossa o policial.
- O prazer é todo meu, comandante. – Respondeu Annalene Silva, a mais nova oficial na polícia especial do Rio de Janeiro.



Por que criar um blog?

Quantas vezes não queremos expressar nossos sentimentos, pensamentos e idéias, mas somos oprimidos por tudo em nossa volta? Ou, simplesmente, achamos que aquilo seria uma grande piada para o resto do mundo.
Daí que vem a idéia de criar um blog.
Já estava com vontade de fazê-lo antes, mas nunca tinha motivação, até que essa semana tive que escrever um conto para a escola e até que saiu legal, o pessoal gostou e algumas pessoas falaram para eu conmtinuar.
Por que não?
Não tenho nada a perder, pelo contrário, posso encontrar pessoas que gostem e compartilhem junto comigo. Por isso, se você também tem vontade, faça um! E compartilhe com o mundo novos pensamentos.

Au revoir!