quinta-feira, 26 de maio de 2011

Querida infância.


Querido Carlos,

            Fico feliz a cada vez que o porteiro me entrega um envelope com o selo do Rio Grande do Sul colado. É como se uma luz se abrisse e eu pudesse estar ao seu lado, como nos bons tempos. Foi realmente uma ótima idéia mantermos a comunicação pelas cartas, é algo tão pessoal: é sua caligrafia, suas palavras e seus sentimentos. Nenhum e-mail ou rede social poderia dar a mesma sensação, a sensação de ter meu amigo novamente ao meu lado.
Estive relendo sua carta antes de começar a escrever a minha e as travessuras de sua irmãzinha me lembraram os nossos tempos de criança. Não que faça muito tempo, afinal, temos apenas 20 anos! Sabe, realmente sinto falta daqueles tempos, que tem um gosto um tanto doce para mim. Creio que para você também, pois nós sempre comprávamos jujubas quando nossos pais nos davam algumas moedas que, naqueles bons tempos, pareciam um enorme tesouro. Ah, também me lembro daquelas balinhas, que pareciam umas gosmas, lembra? Umas tinham um formato muito estranho de minhoca, por isso você ficava correndo com elas atrás de mim. Eram um tanto nojentas, mas no final comíamos tudo.
Ah, Carlitos, como aqueles tempos eram suaves. Cada coisa que aprontamos juntos, mesmo eu sendo menina, ficava do seu lado, fazendo as “molecagens”. Isso me lembrou do dia que pulamos o muro daquela vizinha que parecia a bruxa do 71, do Chaves. Minha bola colorida caiu lá, enquanto brincávamos, acho que, até o dia da minha primeira prova de cálculos, aquele tinha sido o dia mais assustador da minha vida. Pular aquele muro gigante, se arranhar na goiabeira, fugir do cachorro e, no fim, saímos como vencedores. Acho que nos pagaram umas cinco tortuguitas, me senti a “dona da rua”, como a Mônica. Éramos os donos da rua, pelo menos por um dia, para os nossos colegas.
Hoje em dia tudo mudou e isso às vezes me deixa um tanto intrigada, pois tudo passa extremamente rápido, enquanto naquela época, cada hora era uma eternidade, onde brincávamos, corríamos e ríamos pelas ruas, que um dia foram tranqüilas. Não vejo mais crianças soltando cafifa, como fazíamos, ou melhor, como você fazia, eu apenas corria atrás das avoadas. Tinha pernas boas, hoje em dia elas são usadas mais para correr quando me atraso para as aulas de Física Experimental. Acho que elas ainda são rápidas, pois corri muito com vocês, e de vocês. Venhamos e convenhamos, eu sempre fui a melhor do Pique - esconde e no pique-alto. Tudo bem que eram os seus esconderijos, mas eu sempre corri mais.
Ontem, quando recebi sua carta, fiquei pensando muito nisso, na nossa infância, nossas brincadeiras. Às vezes fico observando o pessoal da faculdade, alguns tão sérios e estressados, tudo bem, que temos muita coisa para estudar na Engenharia Química, mas percebo que eles esqueceram de algo que jamais devemos esquecer: de ser criança. Sabe, esqueceram como é bom brincar na chuva, apostar corrida de bicicleta, comer chocolate escondido antes do almoço, jogar bafo com os tazos, colecionar todas as figurinhas de Pokémon, comer pasta Tandy, jogar bola, queimado, pique, taco...
Creio, Carlitos, que a cada carta isso se renove um pouco em mim e espero, de todo o coração, que se renove em você também. Estou com muitas, mas muitas saudades! Não vejo a hora das férias chegarem e você vir para cá, quem sabe a gente não relembra um pouco esses tempos? Sabe, duvido que você me vença numa corrida ou em um jogo de bafo. Ainda tenho alguns cartas de Yu-Gi-Oh guardadas.
Bem, acho que depois dessa carta, não tenho mais o que falar, afinal, minha vida anda se resumindo entre estágios e intermináveis trabalhos de faculdade. Mas, mesmo dentro dessa rotina maluca de estudos, sei que tenho a minha criança guardada, a mesma da nossa eterna infância. Sim, eterna, pelo menos em nossas mentes e corações.

Beijo gigante, com gosto de Kinder Ovo.
De sua sempre Méli,
Amélia Hantson.

Ps.: Estou enviando a cópia de uma foto nossa no quintal da Tia Júlia, onde brincávamos naqueles balanços antes de ficarmos grandes demais e a árvore velha demais. Espero que goste.






(N.A.: Agradecimento especial o projeto Bloínquês,que vem inspirando, dia a dia, vários escritores. Muito obrigada.}



sexta-feira, 13 de maio de 2011

Boa noite, papai.





Querido papai,

            Mais uma vez estou tentando encontrar as palavras necessárias para te dizer algo que meu coração sente, mas minha boca tem medo de falar. Sempre gostei de falar as coisas olho no olho, como você me ensinou, mas hoje tive que mudar isso, você me fez mudar isso.
            Eu sei que as coisas não estão bem desde que a mamãe fugiu com outro homem, em busca do sonho dela. Sabe, papai, ainda me lembro de como era antes, como nossa pequena família era feliz: meus pais com um emprego legal, você sempre trazia doces da rua e mamãe fazia uma sopa deliciosa. Lembro de quando me ajudavam com os deveres de casa, coisas tão bobas, que pareciam terrivelmente difíceis, mas que me fizeram aprender o verdadeiro significado de uma família.
            Mas, sempre, sempre algo acontecia. Nunca entendi, pai, essa coisa de você ser tão bipolar, emoções extremistas, que cheguei a comparar com alguns poetas românticos, antes de perceber a real gravidade disso. Todas as vezes que você se estressava, gritava muito, e por pouco não batia em mim ou na mamãe. O único problema é que não era às vezes, era sempre. Aos poucos fui percebendo que a sua vida não tem altos e baixos, como a de todo mundo, a sua vida são altos e baixos, altíssimos e baixíssimos, como uma montanha russa que desce e sobe, deixando todos de cabelos em pé.
            Há dois anos, quando mamãe fugiu, eu não entendi, me revoltei e quase sempre rasgava os postais ou deletava os e-mails que ela mandava. Quando eu perguntei o porquê dessa saída agressiva, me deixando para trás, ela não falava que a culpa era minha ou sua, apenas falava que um dia eu iria entender e hoje, papai, eu entendi.
            Quando você encontrar essa carta, estará junto com a sua janta, sempre feita com carinho, minha cama está feita, como todos os dias, minhas lições de casa também, pois, mesmo sem ajuda, eu sempre fiz tudo, pensando que um dia voltaria a ter minha família, mas isso não aconteceu.
            O que eu quero te explicar é que a vida não é dessa forma violenta, agressiva. Na vida às vezes ocorrem mudanças da “água para o vinho”, mas devemos sempre tentar manter a linha. Todas as vezes que você chegou em casa bêbado e furioso, eu sentia muita raiva e, quando chegava tão feliz que a felicidade chegava a ser sólida, eu sentia nojo e te achava hipócrita. Nós temos que ter bom senso e se lembrar que a vida não gira em torno de nós mesmos. Cansei das suas opiniões extremistas, cansei dos brejos e paraísos, cansei de todas essas voltas. E espero que um dia você se canse também e veja o que eu estou tentando falar aqui, veja porque eu e mamãe saímos dessa loucura.
            Lembre-se, papai, a vida é muito mais que altos e baixos, a vida somos nós quem construímos e podemos fazer relevos planos. A vida não é ser radical ou não se impor, a vida é ter sua opinião formada por tudo que vivemos. A vida é como um parque de diversões, tem altos e baixos, como uma montanha russa, tem momentos escuros, como um trem fantasma, tem hora que batemos, como em um carrinho de bate-bate, mas tem horas que, simplesmente, a vida é doce, gira lentamente e tudo fica calmo, como em um carrossel.
            Por isso, papai, estou indo embora. Talvez um dia eu volte, mas, nesse momento, estou em busca de uma estabilidade, de algo que eu possa me firmar e dizer: agora vai ficar tudo bem. Quero ser feliz, papai, mesmo sabendo que virão algumas dificuldades. Espero que me compreenda, embora eu ache difícil, mas, no dia que você mudar, vai perceber exatamente o que eu e mamãe sentimos ao deixar a sua vida. Ainda espero ter minha família de volta, mas não vou fazer nada de extremo, como você fez ao quase saltar da janela, há dois anos. Não, papai, a vida me ensinou coisas que, mesmo com 18 anos, eu aprendi mais rápido que um homem feito. Nunca se esqueça que eu te amo e que sempre serei a sua pequena.

Com o coração livre,

Anne Stamburk, a pequena.







domingo, 1 de maio de 2011

Sonho de um vascaíno

             Era mais uma final emocionante da Taça Rio e lá estava eu, no estádio, no belíssimo Maracanã, palco de tantos jogos marcantes. E aquele jogo seria um dos jogos que ficam para história! Eu tinha certeza, eu sentia isso, estava no meu sangue. Estava com a camisa do meu Vascão, o manto de honra! A cruz de malta estava firme em meu peito, iríamos ganhar! Golear o Flamengo, nosso maior inimigo. Não só eu, mas como todos os vascaínos de alma e coração, estávamos cansados dessa história de vice. Não somos vices! Fomos. Estávamos há minutos de sermos os novos campeões da Taça Rio e poder gritar para todos aqueles rubro-negros de uma figa: VICE!
            O jogo ia decorrendo na agitação, apertado, como uma boa final, cheia de emoções. Mas o meu Vasco estava na frente, estava sim. Faltavam somente cinco minutos para o final do jogo e o placar estava 3x2 para o Vascão. O Flamengo não ia ganhar, não ia ganhar. Não dessa vez, nem nunca mais! Agora era a vez dos vascaínos, era a vez da elite da cruz de malta brilhar, era a vez de todos os vascaínos se sentirem levantando a taça. Ah, nós levantaríamos.
- Só tem mais três minutos, cara! Vamos ganhar! – Escutei meu amigo vibrando ao meu lado, junto com seu radinho, onde escutávamos o Galvão Bueno narrando o jogo.
- Vamos ganhar! – Vibrei junto a ele, rindo, agarrando o meu manto vascaíno. Mais uma vez a cruz de malta iria brilhar e o Rio de Janeiro veria os campeões ressurgindo.
            Dois minutos e Ronaldinho Gaúcho lança uma na trave. Ah, meu coração foi em Marte e voltou, minhas mãos agora puxavam meus cabelos que, mesmo lisos, estavam para cima de tanto que eu os puxei na agitação. A torcida gritava, o mundo girava, era uma mar de preto e branco do lado que eu estava, era um mar de preto e vermelho do outro lado. E, ali no campo, era que aqueles mares se dividiam, mas deixavam seu coração batendo no mesmo ritmo: no ritmo do futebol.
            Um minuto e nada dos Flamenguistas fazerem outro gol. Eles estavam investindo firme, indo contra os jogadores vascaínos, mas nossos guerreiros estavam fortes. Eles também queriam a taça, a torcida queria a taça, o Vasco queria a taça. A bola se tornava um pontinho voando pelo campo, rápido, de pé em pé. O radinho vibrava, a torcida vibrava: o estádio vibrava. Foi quando o Vasco avançou e algum jogador lançou a bola no gol, não sei qual, pois, naquele momento, não escutava nada, não sentia nada, apenas acompanhava aquela bolinha indo em direção ao gol e... GOL! Ah, eu não aquentei, ninguém aquentou. O juiz, em algum canto do campo, apitou o fim de jogo, o Galvão Bueno também anunciou que éramos campeões. Mas eu não escutei, pois estava pulando junto com a minha torcida, junto com a torcida do meu Vasco. Gritávamos, pulávamos, chorávamos. O mundo era nosso, a taça era nossa e o Flamengo era nosso vice. O nosso vice! Ah, como eu queria gritar vice para o primeiro flamenguista que me aparecesse na frente. Mas aquele não era o momento.
            Finalmente, depois de muito tempo, conseguimos sair do estádio. Ficamos para ver a entrega da taça, claro! Eu estava lá, junto com meus amigos, rindo, felizes porque o nosso Vasco era campeão. Campeão da Taça Rio. Estávamos indo para o carro quando vi um grupo de flamenguistas encostados em um carro próximo, eu conhecia dois deles, amigos de faculdade, então fui em direção deles.
- Diego, o carro está ‘pra lá, cara! – Jonas veio ao meu encontro, ainda sorrindo, indicando o outro lado com o polegar.
- Eu ainda tenho uma última coisa para fazer. – Falei decidido, mais decidido do que já estive em toda minha vida. Uma coisa é você gritar “vice” para qualquer flameguista, mas gritar “vice” para um conhecido que gritou “vice” para você durante anos é outra coisa. Era como se um peso fosse sair de minha alma. Eu sentia isso, eu precisava disso. Cheguei pero dos rapazes, visivelmente abatidos.
- Fala aí, gente! – Cumprimentei o grupo, todo sorridente, enquanto eles me responderam alguns “oi”, “fala aí”, realmente desanimados, ou irônicos. Marcos e Cláudio já sabiam o que eu queria.
- Pode falar, Diego. Mas fala logo que o cheiro de naftalina está vindo aqui. – Marcos torceu o nariz, rindo em seguida.
            Foi quando eu peguei fôlego para gritar que o Flamengo era vice que eu escutei um barulho estranho e tudo girou ao meu redor. Nesse exato momento eu acordei, com o despertador berrando ao meu lado e a TV ligada, mostrando os jogadores do Flamengo levantando a Taça Rio. É, pelo visto Vasco não ser vice do Flamengo é apenas um sonho, um conto de fadas que todos os vascaínos sonham.

{Nota da autora: Meus queridos, só para deixar bem claro que sou Flamenguista de coração e que não tenho nenhum preconceito com os outros times. Futebol é esporte, é festa, é saúde e alegria. Este conto é apenas uma brincadeira. E, lembrando que este pequeno conto é uma ficção, ou seja, eu sei que o jogo desse ano foi no Engenhão e, qualquer semelhança com a realidade, é mera coincidência. Muito obrigada. Atenciosamente: Natasha Mello. }