Existem milhares e milhares de
ditados, provérbios e outras citações que as pessoas levam consigo e
repetem quase como um mantra, uma parte de um modelo para suas vidas. Nunca
gostei dessas frases – ou seja lá o que forem – pois as escutava demasiadamente.
Lembro-me da clássica: “panela velha que faz comida boa”, o que sempre me
pareceu uma grande mentira, uma vez que minha mãe sempre comprava novas e,
sinceramente, a comida ficava tão boa quanto antes. “Olho por olho, dente por
dente”, “Um por todos e todos por um”, “Onde se ganha o pão não se come a
carne”, “Casa de ferreiro, espeto de pau” (esse eu nunca entendi) e por tantos
outros que todos, mas TODOS conhecem.
Mas, de tantas coisas que a vida
podia me reservar, me reservou a vingança dos “ditados populares”, ou melhor,
“o feitiço virou contra a feiticeira”. Deus é irônico (ou Odin, Alá, Buda… Quem
você preferir!) e descobri isso da pior – ou melhor – forma possível.
Sempre fui um pouco “rebelde”,
não como aquela série boba de México (nada contra o país, gosto muito de tacos
apimentados), mas sim do tipo que gosta de dar trabalho aos pais. Na verdade,
sempre dei trabalho a minha mãe, meu pai era um militar, vivia ausente ou
perguntando sobre minhas notas baixas, pois ele considerava oito em matemática
o fim do mundo. Não que isso justifique, uma vez que tem muita gente normal por
aí, mas me abalou de alguma forma, pois, no meu subconsciente, resolvi mostrar
que podia ser diferente, podia ser melhor do que aquele modelo robótico que meu
pai exigia que eu fosse. Porém meu pai se foi em uma rápida tarde de Dezembro e
meu sentimento continuou.
Aos dezesseis anos me vi livre,
podia ser o que eu quisesse! A primeira coisa que fiz foi pintar o cabelo de
vermelho, depois a usar roupas que não fossem somente jeans e t-shirts. Por fim, descobri algo além de
uma beleza e sensualidade desconhecida, descobri aquilo que qualquer pai teme:
os “garotos”. Não me drogava, mas gostava de sair e gastar minha pensão com
vinhos, boates e coisas completamente sem nexo.
Minhas notas caíram, mas se
mantinham numa média razoável, eu sempre fui inteligente, só não gostava quando
meu pai “forçava a barra”. A coitada da minha mãe ficava louca, tentava
conversar, mas eu realmente não a escutava, ou como ela falava: “Entrava por um
ouvido e saía por outro”. E eu? Dava um grande foda-se para tudo! Meu pai
sempre tinha as mesmas palavras, ela apenas as repetia quando cansava de ser
doce.
A última vez que ela realmente brigou comigo eu tinha dezessete
anos, estava no último ano do colegial, pouco me importava com faculdade ou
carreira militar, apenas queria continuar vivendo aquela vida de aventuras,
onde minhas noites eram dias, meus dias eram dias e minhas tardes eram gritos
loucos da minha mãe. Mas aquela vez – sim, aquela – dona Olívia, ou mamãe,
estava me esperando quando eu cheguei, às nove da manhã “trêbada”. Ela me pegou
pelo braço e me arrastou até o banheiro, onde me jogou debaixo do chuveiro e foi tirando as minhas roupas, eu pedia para ela parar, mas era impossível, eu
estava bêbada demais. Eu me lembro de apenas olhar para o ralo enquanto ela me
batia com um cinto de couro e eu chorava absurdamente, lembro que tinha sangue,
mas não me lembro de onde. Fiquei com enormes hematomas, manchas vermelhas e
muita dor. Minha mãe chorava loucamente
no sofá quando finalmente acordei, já de noite, e a única coisa que pensei foi:
“Por que essa filha da puta tá chorando se quem está machucada sou eu?” Não
fazia sentido! Peguei minhas coisas, joguei tudo em uma mochila e falei que ia
sair, depois de, claro, falar horrores para ela, falei coisas tão horríveis e
sem piedade que nem tenho coragem de repetir, toda noite peço para que eu não
me lembre de cada palavra, nem ela. A única coisa que ela disse foi: “Quando
você for mãe, vai entender”. “Mais uma porra de um ditado” foram as últimas
palavras que disse antes de sair e bater a porta.
Fui para a casa de uma amiga, continuava indo à escola, embora com
menos frequência, e, depois de seis meses lá, comecei a ficar doidona só de
sentir o cheiro do baseado. Fui pra casa do Carlos, um dos meus amigos de
saídas, os pais dele estavam em uma viagem de negócios. Eles voltariam em um pouco mais de um mês, mas enquanto isso o inevitável aconteceu, eu e o Carlos começamos a ter
relações, já estávamos “ficando” há um tempo, então… Foi exatamente quando os
pais deles voltaram que estávamos sentados no sofá, pálidos, um olhando
fixamente para o outro. Depois de anos, descobri o que era chorar por algo que
não fosse uma dor física. Foi o caos! Eu tinha menos de dezoito anos e estava
grávida de um garoto da minha idade, não tinha casa ou amigos que realmente me
acolhessem - todos moravam com os pais, ninguém queria uma menina barriguda em
casa. Falaram de aborto, mas, por mais
louca que eu fosse, eu tinha uma criança dentro de mim. Os pais dele me
deixaram ficar por mais uma semana, até eu decidir o que fazer.
Era quase fim de ano, eu havia passado raspando, não via futuro.
Carlos disse que iria ajudar, os pais dele falaram para ele se virar e não
falaram mais com ele desde então. Foi no último dia que eu tinha na casa deles
que escutei me chamarem da sala e, quando cheguei lá com o meu namorado, vi
minha mãe no sofá, junto com a mãe dele. Nunca vi dona Olívia em pior estado,
nem mesmo quando o Coronel Cardoso morreu: ela estava mais magra, pálida, com
olheiras e um olhar esquisito… Em meio segundo em que a encarei tudo se passou
pela minha mente, um medo gigante, uma vergonha devastadora, sabia que ela iria
me bater, iria tirar aquele feto de três semanas na força bruta... Ou talvez
ela fosse gritar tanto que eu não conseguiria pensar, iria me humilhar… Mas, ao
contrário, ela se levantou assim que me viu e abriu os braços de um jeito tão
acolhedor, maternal, que a única coisa que consegui fazer foi correr até eles,
enterrar o rosto em sua blusa e chorar. Nunca vou me esquecer daquele momento,
eu apenas chorava, soluçando desesperadamente, pedindo desculpas, enquanto uma
mão me embalava e a outra mexia em meus cabelos – que agora estavam pretos,
pois cansara do vermelho. Naquele momento nada fazia sentido e creio que nunca
fará algum.
Peguei minhas coisas e rumamos para casa sem dizer uma palavra,
quando chegamos, ela apenas me mandou tomar banho e eu o fiz, depois fomos para
o médico. Foram exames e mais exames antes de voltarmos para casa. Foi um dia
silencioso, uma noite quieta e sem sonhos, deitei na minha velha cama e chorei
até dormir. Ao acordar, já quase meio dia, encontrei minha mãe sentada à mesa,
lendo, tinha café, leite e pão.
- Você tem que comer, Viviane. Você sabe disso. – ela me disse após
eu ficar uns bons minutos olhando para a mesa.
- Mãe, por quê? Por que você voltou? Por que você está fazendo isso?
Como você me achou?
- Viviane, eu sou sua mãe. Sempre soube onde você estava, sempre
pedi aos céus para que você estivesse bem. Quando a mãe do Carlos me ligou,
pensando que eu não queria mais minha filha, eu apenas perguntei o endereço e
fui. Pode não fazer sentido agora, mas é algo que você só vai saber quando for
mãe. Pode ser uma porra de um ditado, mas é a realidade.
Cada palavra era falada no mesmo tom, não calmo, nem raivoso… Mas
nulo. Apático. E foi nesse mesmo tom apático que ela me lembrou que o filho era
meu, que eu iria cuidar, amamentar e acordar de madrugada, talvez ela um dia
cuidasse dele quando eu fosse estudar e trabalhar, mas a responsabilidade era
minha. “Quem pariu Mateus que o embale”, ela me disse. Mas, como ela disse, ela
era mãe. Ela pode não ter sido suficiente forte para “segurar minhas rédeas”
quando eu resolvi fingir ser revoltada, mas ela estava sendo forte o suficiente
para me perdoar, me amar, me ajudar, me apoiar e olhar para mim todos os dias
mesmo depois de tudo que eu disse para ela. Não fazia sentido. Era amor, o puro
e mais simples.
Os meses se passavam devagar e eu ia crescendo,
assim como a criança dentro de mim. Sentia enjoos e desejos, tinha medo e
alegrias. Tinha medo do futuro, não só do meu, mas também do futuro do pequeno
ser que era gerado. Mas também tinha a alegria de sentir alguém tão pequenino
dentro de mim, alguém tão dependente da minha proteção, dos meus cuidados. Foi
na primeira vez que o Mateus se mexeu dentro de mim que percebi que eu
realmente amava uma criança mesmo sem vê-la, que eu a amava por ser meu sangue
e minha carne, eu a amava por sua pequenez, mas também a amaria quando fosse
grande. Eu me preocupei com os machucados que ele ainda viria a ter por cair,
com os sorrisos que ainda iria sorrir, com as dúvidas que teria, com o medo que
sentiria e, quando estivesse perdido, eu tinha certeza que iria abrir os braços
e não perguntaria nada, apenas o acalentaria. Era tão claro, tão nítido, mas
não fazia sentido, nem nunca fará pois, se fizesse sentido, não seria amor.