sexta-feira, 31 de maio de 2013

Um amor e muitos provérbios

                Existem milhares e milhares de ditados, provérbios e outras citações que as pessoas levam consigo e repetem quase como um mantra, uma parte de um modelo para suas vidas. Nunca gostei dessas frases – ou seja lá o que forem – pois as escutava demasiadamente. Lembro-me da clássica: “panela velha que faz comida boa”, o que sempre me pareceu uma grande mentira, uma vez que minha mãe sempre comprava novas e, sinceramente, a comida ficava tão boa quanto antes. “Olho por olho, dente por dente”, “Um por todos e todos por um”, “Onde se ganha o pão não se come a carne”, “Casa de ferreiro, espeto de pau” (esse eu nunca entendi) e por tantos outros que todos, mas TODOS conhecem.
                Mas, de tantas coisas que a vida podia me reservar, me reservou a vingança dos “ditados populares”, ou melhor, “o feitiço virou contra a feiticeira”. Deus é irônico (ou Odin, Alá, Buda… Quem você preferir!) e descobri isso da pior – ou melhor – forma possível.
                Sempre fui um pouco “rebelde”, não como aquela série boba de México (nada contra o país, gosto muito de tacos apimentados), mas sim do tipo que gosta de dar trabalho aos pais. Na verdade, sempre dei trabalho a minha mãe, meu pai era um militar, vivia ausente ou perguntando sobre minhas notas baixas, pois ele considerava oito em matemática o fim do mundo. Não que isso justifique, uma vez que tem muita gente normal por aí, mas me abalou de alguma forma, pois, no meu subconsciente, resolvi mostrar que podia ser diferente, podia ser melhor do que aquele modelo robótico que meu pai exigia que eu fosse. Porém meu pai se foi em uma rápida tarde de Dezembro e meu sentimento continuou.
                Aos dezesseis anos me vi livre, podia ser o que eu quisesse! A primeira coisa que fiz foi pintar o cabelo de vermelho, depois a usar roupas que não fossem somente jeans e t-shirts. Por fim, descobri algo além de uma beleza e sensualidade desconhecida, descobri aquilo que qualquer pai teme: os “garotos”. Não me drogava, mas gostava de sair e gastar minha pensão com vinhos, boates e coisas completamente sem nexo.
                Minhas notas caíram, mas se mantinham numa média razoável, eu sempre fui inteligente, só não gostava quando meu pai “forçava a barra”. A coitada da minha mãe ficava louca, tentava conversar, mas eu realmente não a escutava, ou como ela falava: “Entrava por um ouvido e saía por outro”. E eu? Dava um grande foda-se para tudo! Meu pai sempre tinha as mesmas palavras, ela apenas as repetia quando cansava de ser doce.
A última vez que ela realmente brigou comigo eu tinha dezessete anos, estava no último ano do colegial, pouco me importava com faculdade ou carreira militar, apenas queria continuar vivendo aquela vida de aventuras, onde minhas noites eram dias, meus dias eram dias e minhas tardes eram gritos loucos da minha mãe. Mas aquela vez – sim, aquela – dona Olívia, ou mamãe, estava me esperando quando eu cheguei, às nove da manhã “trêbada”. Ela me pegou pelo braço e me arrastou até o banheiro, onde me jogou debaixo do chuveiro e foi tirando as minhas roupas, eu pedia para ela parar, mas era impossível, eu estava bêbada demais. Eu me lembro de apenas olhar para o ralo enquanto ela me batia com um cinto de couro e eu chorava absurdamente, lembro que tinha sangue, mas não me lembro de onde. Fiquei com enormes hematomas, manchas vermelhas e muita dor.  Minha mãe chorava loucamente no sofá quando finalmente acordei, já de noite, e a única coisa que pensei foi: “Por que essa filha da puta tá chorando se quem está machucada sou eu?” Não fazia sentido! Peguei minhas coisas, joguei tudo em uma mochila e falei que ia sair, depois de, claro, falar horrores para ela, falei coisas tão horríveis e sem piedade que nem tenho coragem de repetir, toda noite peço para que eu não me lembre de cada palavra, nem ela. A única coisa que ela disse foi: “Quando você for mãe, vai entender”. “Mais uma porra de um ditado” foram as últimas palavras que disse antes de sair e bater a porta.
Fui para a casa de uma amiga, continuava indo à escola, embora com menos frequência, e, depois de seis meses lá, comecei a ficar doidona só de sentir o cheiro do baseado. Fui pra casa do Carlos, um dos meus amigos de saídas, os pais dele estavam em uma viagem de negócios. Eles voltariam em um pouco mais de um mês, mas enquanto isso o inevitável aconteceu, eu e o Carlos começamos a ter relações, já estávamos “ficando” há um tempo, então… Foi exatamente quando os pais deles voltaram que estávamos sentados no sofá, pálidos, um olhando fixamente para o outro. Depois de anos, descobri o que era chorar por algo que não fosse uma dor física. Foi o caos! Eu tinha menos de dezoito anos e estava grávida de um garoto da minha idade, não tinha casa ou amigos que realmente me acolhessem - todos moravam com os pais, ninguém queria uma menina barriguda em casa.  Falaram de aborto, mas, por mais louca que eu fosse, eu tinha uma criança dentro de mim. Os pais dele me deixaram ficar por mais uma semana, até eu decidir o que fazer.
Era quase fim de ano, eu havia passado raspando, não via futuro. Carlos disse que iria ajudar, os pais dele falaram para ele se virar e não falaram mais com ele desde então. Foi no último dia que eu tinha na casa deles que escutei me chamarem da sala e, quando cheguei lá com o meu namorado, vi minha mãe no sofá, junto com a mãe dele. Nunca vi dona Olívia em pior estado, nem mesmo quando o Coronel Cardoso morreu: ela estava mais magra, pálida, com olheiras e um olhar esquisito… Em meio segundo em que a encarei tudo se passou pela minha mente, um medo gigante, uma vergonha devastadora, sabia que ela iria me bater, iria tirar aquele feto de três semanas na força bruta... Ou talvez ela fosse gritar tanto que eu não conseguiria pensar, iria me humilhar… Mas, ao contrário, ela se levantou assim que me viu e abriu os braços de um jeito tão acolhedor, maternal, que a única coisa que consegui fazer foi correr até eles, enterrar o rosto em sua blusa e chorar. Nunca vou me esquecer daquele momento, eu apenas chorava, soluçando desesperadamente, pedindo desculpas, enquanto uma mão me embalava e a outra mexia em meus cabelos – que agora estavam pretos, pois cansara do vermelho. Naquele momento nada fazia sentido e creio que nunca fará algum.
Peguei minhas coisas e rumamos para casa sem dizer uma palavra, quando chegamos, ela apenas me mandou tomar banho e eu o fiz, depois fomos para o médico. Foram exames e mais exames antes de voltarmos para casa. Foi um dia silencioso, uma noite quieta e sem sonhos, deitei na minha velha cama e chorei até dormir. Ao acordar, já quase meio dia, encontrei minha mãe sentada à mesa, lendo, tinha café, leite e pão.
- Você tem que comer, Viviane. Você sabe disso. – ela me disse após eu ficar uns bons minutos olhando para a mesa.
- Mãe, por quê? Por que você voltou? Por que você está fazendo isso? Como você me achou?
- Viviane, eu sou sua mãe. Sempre soube onde você estava, sempre pedi aos céus para que você estivesse bem. Quando a mãe do Carlos me ligou, pensando que eu não queria mais minha filha, eu apenas perguntei o endereço e fui. Pode não fazer sentido agora, mas é algo que você só vai saber quando for mãe. Pode ser uma porra de um ditado, mas é a realidade.
Cada palavra era falada no mesmo tom, não calmo, nem raivoso… Mas nulo. Apático. E foi nesse mesmo tom apático que ela me lembrou que o filho era meu, que eu iria cuidar, amamentar e acordar de madrugada, talvez ela um dia cuidasse dele quando eu fosse estudar e trabalhar, mas a responsabilidade era minha. “Quem pariu Mateus que o embale”, ela me disse. Mas, como ela disse, ela era mãe. Ela pode não ter sido suficiente forte para “segurar minhas rédeas” quando eu resolvi fingir ser revoltada, mas ela estava sendo forte o suficiente para me perdoar, me amar, me ajudar, me apoiar e olhar para mim todos os dias mesmo depois de tudo que eu disse para ela. Não fazia sentido. Era amor, o puro e mais simples.
            Os meses se passavam devagar e eu ia crescendo, assim como a criança dentro de mim. Sentia enjoos e desejos, tinha medo e alegrias. Tinha medo do futuro, não só do meu, mas também do futuro do pequeno ser que era gerado. Mas também tinha a alegria de sentir alguém tão pequenino dentro de mim, alguém tão dependente da minha proteção, dos meus cuidados. Foi na primeira vez que o Mateus se mexeu dentro de mim que percebi que eu realmente amava uma criança mesmo sem vê-la, que eu a amava por ser meu sangue e minha carne, eu a amava por sua pequenez, mas também a amaria quando fosse grande. Eu me preocupei com os machucados que ele ainda viria a ter por cair, com os sorrisos que ainda iria sorrir, com as dúvidas que teria, com o medo que sentiria e, quando estivesse perdido, eu tinha certeza que iria abrir os braços e não perguntaria nada, apenas o acalentaria. Era tão claro, tão nítido, mas não fazia sentido, nem nunca fará pois, se fizesse sentido, não seria amor.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Escritor


Crio, recrio. Escrevo, reescrevo. Faço nascer e morrer. Posso fazer alguém feliz, posso lhe dar um amor, para então destruir. Crio famílias, crio risos, crio lágrimas, crio caos. Da imaginação eu tenho o pincel, da sua mente tenho a chave. Faço festa, faço poemas, faço amor.

Muito prazer, sou O Escritor.





{Nota da Autora: Essas linhas já têm um tempo, mas são o meu "ponto de partida" para voltar com o blog. Mesmo que ninguém veja ou saiba, algumas palavras têm destinos melhores do que o serem esquecidas na minha massa cinzenta chamada de cérebro.}